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Notas aproximativas sobre a política de saúde brasileira no contexto de crise do capital

 

Abstract


O\xa0debate em torno da crise desencadeada nas ultimas decadas no capitalismo financeirizado, articulado a reestruturacao produtiva e ao ideario neoliberal, vem complexificando e esta posto tanto para os sujeitos sociais, movimentos das diferentes politicas e segmentos sociais, como tambem na academia. Este trabalho buscou discutir as implicacoes da crise estrutural do capital para a politica de saude brasileira. O tema proposto e recorrente e de precipua relevância para a analise da particularidade na politica de saude e respectivas formas de resistencia na perspectiva de fortalecer o projeto da classe trabalhadora. Metodologia: esta revisao parte das determinacoes teorico-politicas da tradicao marxista. Resultados e Discussao: A crise estrutural do capital reafirma o carater destrutivo das possibilidades civilizatorias e barbarizacao da vida social. Inumeras mudancas nas esferas de producao e reproducao sociais desde entao implicou aos paises a reconfiguracao do Estado, mediante politica de ajustes contrarreformas. A suposta crise fiscal do Estado passou a ser o argumento de defesa neoliberal ao corte de gastos sociais, escondendo as intencoes de diminuicao dos custos com a forca de trabalho e o redirecionamento do fundo publico para atender em maior escala as demandas do grande capital. Estas analises tonam-se de extrema relevância ao nos remetermos a politica de saude brasileira que, conforme regulamentada na Constituicao Federal de 1988 e na Lei Orgânica da Saude significou um grande avanco no projeto da Reforma Sanitaria Brasileira (RSB) ao incorporar no tripe da Seguridade Social a saude, juntamente com a assistencia e previdencia social. Destacamos dentre as polemicas desde formulacao do SUS a relacao publico-privado: havia uma proposta radical, de estatizacao integral e imediata de todas as instituicoes destinadas a saude; entretanto, a que prevaleceu defendia a estatizacao progressiva do sistema de saude. Nessa correlacao de forcas em confronto configurou um sistema dual (mix publico-privado), uma das principais caracteristicas do sistema de saude brasileiro. Apesar dos avancos legais na referida politica, e necessario reconhecer a contradicao na materializacao dos direitos sociais, os quais foram fortemente tensionados pela ofensiva neoliberal, culminando em retrocessos. A enfase destas medidas de ajuste no setor nos chama, quando o Partido dos Trabalhadores assumiu a gestao federal a partir de 2002. Naquele contexto havia uma grande expectativa em retomar a agenda da RSB da decada de 1980, fortalecendo a politica de saude dentro da perspectiva constitucional da seguridade social. Entretanto ocorreu a reafirmacao das medidas privatistas no setor (com enfase na focalizacao, na precarizacao, na terceirizacao dos recursos humanos e no subfinanciamento). Em face deste contexto, chamamos atencao para um “novo” projeto, intrinsecamente relacionado ao privatista: trata-se do projeto do SUS possivel, defendido por antigas liderancas do movimento da RSB, mas flexibilizando os principios politico-emancipatorios de sua racionalidade, a fim de “modernizar” o SUS, partindo da estrategia de refuncionalizar os principios do SUS (em sintonia com as necessidades da contrarreforma); do transformismo das liderancas do movimento da RSB; e disseminacao da ideia de que e inviavel a implementacao do SUS constitucional. Perfilando a politica de saude na atual conjuntura, chamamos atencao para a focalizacao dos gastos nos setores de extrema pobreza, como tambem a descentralizacao da gestao da esfera federal para estados e municipios, sem garantir a contrapartida necessaria a execucao das acoes. Ao mesmo tempo, verificamos um deslocamento da prestacao de bens e servicos publicos para o setor privado, atraves da participacao de entidades nao governamentais, filantropicas, comunitarias e de empresas privadas. Neste caminho ganha destaque a Lei 9.637/1998, o Projeto de Lei Complementar (PLC) No 92/2007 que cria as fundacoes estatais de direito privado (FEDP) e a Lei 12.550/2011, que regulamenta a gestao dos hospitais universitarios por meio das Empresas Brasileiras de Servicos Hospitalares (EBSERH). Entendemos que a implantacao desses modelos de gestao os quais justificam nao so deixam de cumprir seus objetivos de melhorias na atencao a saude da populacao, como complexificam os problemas historicamente identificados no SUS e ferem a propria Constituicao Federal vigente. O contexto de contradicoes e ataques ao SUS constitucional e defendido pelo movimento da RSB da decada de 1980 tornaram ainda mais dramatico na gestao do presidente interino Michel Temer intensificou o processo de privatizacoes, focalizacao das politicas sociais e do avanco do capital, mediante o ataque da universalidade do SUS e valorizacao da expansao dos planos privados de saude. Neste caminho, destacamos tambem o perdao aos planos privados de saude; o fim do Servico Movel de Urgencia (SAMU) e dos programas Mais Medicos e Aqui Tem Farmacia Popular; nao reconhecimento do Conselho Nacional de Saude, ao convocar integrantes de instituicoes privadas para ouvir propostas para o setor; e extensao da Desvinculacao das Receitas da Uniao (DRU) ate 2023 e aprovacao da Emenda Constitucional 95. O contexto sinaliza mais dramatico neste inicio de mandato de Jair Bolsonaro, cujo discurso e projeto sao explicitamente privatistas e com bandeiras de extrema direita. Consideracoes finais: Este trabalho partiu da critica da economia politica para discutir a particularidade da politica de saude contemporânea, a qual avancou substancialmente no campo juridico-formal, mas perpassou por contradicoes e contrarreformas. Por outro lado e como forma de resistencia aos ataques a politica de saude, desde 2010 foi criada a Frente Nacional Contra a Privatizacao da Saude (FNCPS), estrategia que agrega diversas entidades representativas de trabalhadores, grupos de pesquisa, movimentos sociais e partidos politicos na luta contra toda forma de privatizacao da politica de saude. Diante do exposto, entendemos que desde os governos petistas houve continuidade aos ajustes fiscais restringindo os recursos para as politicas sociais, permitindo o desenvolvimento de mecanismos compensatorios focalizados nas camadas mais pobres, sem alterar, portanto, a desigualdade social historicamente marcante no pais. Torna-se de precipua relevância entender as modificacoes na composicao e na conducao das politicas sociais brasileiras no atual curso historico, exigindo um estudo historico-critico de desenvolvimento da fase madura do capitalismo.

Volume 11
Pages None
DOI 10.14295/jmphc.v11isup.865
Language English
Journal None

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