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Cinema no abrigo: encontros, gestos e acontecimento

 
 

Abstract


This text is the result of reflections on our experience with the “Education, Cinema, Other Territories” Extension Project at the Lar de Idosos Abrigo Tiradentes, in Minas Gerais. A specific objective of the Project is to hold cinema sessions with the elderly in different territories. The methodology and the evaluation of the actions are understood as a gesture of monitoring the Extension Program, supported by cartographic research, methodological practice relevant to the monitoring of ongoing processes and the production of subjectivities. The questions we ask ourselves for this reflection are: what can cinema do in a Shelter for the Elderly? What connections could we make between cinema, language and event? What do these people experience with films? What could we exercise, based on the concept of event, in thought? Through this essay, we seek an exercise in thinking about “events” in our meeting with the residents and with the films during the cinema sessions at Lar de Idosos – Abrigo Tiradentes. Key-words: Event. Cinema. Elderly. Cine en el retiro: encuentros, gestos y acontecimientos Resumen: Este texto es el resultado de reflexiones sobre nuestra experiencia con el Proyecto de Extensión “Educación, Cine, Otros Territorios” en el Lar de Idosos Abrigo Tiradentes, en Minas Gerais. Un objetivo específico del Proyecto es realizar sesiones de cine con personas mayores en diferentes territorios. La metodología y la evaluación de las acciones se entienden como un gesto de seguimiento del Programa de Extensión, con el apoyo de la investigación cartográfica, la práctica metodológica relevante para el seguimiento de los procesos en curso y la producción de subjetividades. Las preguntas que nos hacemos para esta reflexión son: ¿qué puede hacer el cine en un refugio para ancianos? ¿Qué conexiones podríamos hacer entre cine, idioma y evento? ¿Qué experimentan estas personas con las películas? ¿Qué podríamos ejercer, basado en el concepto de evento, en el pensamiento? A través de este ensayo, buscamos un ejercicio para pensar acerca de los eventos en nuestra reunión con los residentes y con las películas durante las sesiones de cine en Lar de Idosos – Abrigo Tiradentes. Palabras-claves: Acontecimentos. Cine. Ancianos. Fernanda Omelczuk Walter, Giovana Scareli Educação e Filosofia, Uberlândia, v.34, n.72, p. 1235-1252, set./dez. 2020. ISSN Eletrônico 1982-596X 1237 O pre(s)ente de um encontro Em agosto de 2017, desenvolvemos um projeto de Iniciação Científica 1 com o objetivo de realizar experiências de cinema num abrigo de idosos e acompanhar as ressonâncias desses encontros para a formação docente, já que as atividades seriam realizadas pelos alunos do curso de Pedagogia e demais licenciandos interessados. O trabalho começou num abrigo que atende cerca de 80 idosos na cidade de São João del-Rei, Minas Gerais (MG), situado ao lado do campus da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), onde lecionamos. Nesse primeiro projeto, saímos da escola para o “asilo”, ensaiando “fazer escola” em territórios outros, dentro e fora dos edifícios escolares, no pensamento e na vida, como nos inspira Kohan (2013, p. 138), e tomando o cinema como nossa “matéria” a ser compartilhada num encontro intergeracional (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014). O cinema foi nosso elo comum, o elemento do qual partimos, amparados na igualdade das inteligências, sem ensinar um saber sobre o filme, mas convidando cada um a percorrer a própria aventura intelectual e estética, que é ao mesmo tempo também coletiva, o que significa correr o risco dessas descobertas e da imprevisibilidade do encontro com os idosos (RANCIÈRE, 2011). Dessa primeira iniciativa, foram produzidos alguns textos 2 com os “resultados” dessa pesquisa, nos quais focamos os laços que essa experiência tece com a formação de professores, a escola e a infância dentre outras especificidades do campo pedagógico. Apresentamos o trabalho em eventos, ouvimos as impressões dos colegas e, aos poucos, 1 Tratou-se do projeto de iniciação científica: “Experiências sensíveis com a sétima arte, outros cinemas, outros territórios: outras formas de formar?” (Edital PROPE/UFSJ) com bolsa PIBIC/UFSJ. As duas instituições onde atuamos consentiram com o projeto assinando um Termo de Compromisso Livre e Esclarecido (TCLE) para autorização das sessões de cinema. 2 O trabalho foi apresentado nos eventos: Literatura na Escola – II Ciclo de debates do GPEALE 2018 (UFSJ), no VI Colóquio de Cinema e Artes da América Latina (COCAAL) e na Semana de Iniciação Científica da UFSJ/2018. Os textos completos foram publicados nos Anais dos eventos. Disponível em: https://ufsj.edu.br/portal2repositorio/File/mestradoeducacao/ANAIS%20II%20CICLO%20GPEALE(1).pdf. Cinema no abrigo: encontros, gestos e acontecimento 1238 Educação e Filosofia, Uberlândia, v.34, n.72, p. 1235-1252, set./dez. 2020. ISSN Eletrônico 1982-596X fomos descobrindo o quanto ainda tínhamos para aprender e experimentar com o campo e seus desafios diários. Assim, resolvemos repetir a experiência (repetir até ficar diferente, como nos ensina Manoel de Barros) num abrigo de idosos na cidade vizinha: Tiradentes, MG. É desse lugar específico que se trata esta escrita. O Lar de Idosos – Abrigo Tiradentes – foi inaugurado em 1954, pelo senhor José Meireles, morador da cidade de Tiradentes, para abrigar idosos e, na época, pessoas em vulnerabilidade, que não possuíam família. Algumas dessas pessoas, as quais chegaram ainda jovens na década de 1970, continuam no Abrigo até os dias atuais. A Instituição, sem fins lucrativos, possui cerca de 20 idosos com idades distintas. Uma das motivações que nos levou a procurar por essa Instituição é a proximidade da UFSJ com a cidade de Tiradentes e pelo fato de não haver tantos projetos de extensão da Universidade nessa cidade. Outro motivo é porque queríamos continuar atuando com os idosos e, como já tínhamos um projeto acontecendo em São João del-Rei, queríamos estendê-lo para outro Abrigo, acreditando que o cinema poderia ser uma experiência interessante para os idosos desse lugar e para nós da Universidade. A proximidade com os idosos e as experiências de exibição cinematográfica que tivemos no projeto anterior, na cidade de São João del-Rei, nos forneceram critérios que auxiliaram na curadoria dos filmes a serem exibidos nesta segunda localidade. Por um lado, já tínhamos a sistematização 3 de uma curadoria no campo de curta-metragens nacionais infantis de produção independente, por conta de atividades anteriores. A partir desse material, adicionamos outros critérios de escolha que fomos percebendo na relação com os idosos e, dessa forma, outros recortes de seleção foram acontecendo. Assim, o cuidado com necessidades especiais de escuta, visão ou outra condição sensorial, foram alguns dos critérios que nos ajudaram a 3 FERREIRA, Jacqueline.; OMELCZUK, Fernanda. Relatório final de Iniciação Científica. Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), PROPE/PIBIC/PIIC-Edital 003/2018. (circulação restrita). Fernanda Omelczuk Walter, Giovana Scareli Educação e Filosofia, Uberlândia, v.34, n.72, p. 1235-1252, set./dez. 2020. ISSN Eletrônico 1982-596X 1239 selecionar o repertório fílmico, o qual, preferíamos exibir filmes nacionais ou dublados além de sempre atentar para a qualidade técnica desses dispositivos e dos suportes de exibição. Além disso, tomando as imagens em movimento como cocriadoras de realidades, sonhos e imaginários, atravessando nossas próprias imaginações e rompendo os limites entre o que vivemos, lembramos e fabulamos, acolhíamos também referências cinematográficas que os moradores nos traziam de suas vidas, exibindo filmes de suas preferências e afetos. Este foi sendo um modo delicado e discreto de desenvolvermos conversas e nos conhecermos melhor, aproximando e reinventando novos afetos e memórias juntos. Neste texto, compartilhamos uma qualidade de olhar que consideramos um pouco mais densa e lenta sobre os acontecimentos dessa experiência específica no Lar de Idosos „Abrigo Tiradentes‟. Ela tem nos feito pensar para além da educação, na própria vida, num processo de formação que escapa da tarefa pedagógica unidirecional, e nos ajuda a compreender o envelhecimento e a velhice como um processo e modo de pensamento não restrito a uma etapa cronológica da vida, mas um acontecimento que pode nos atravessar, transformar e afetar a qualquer tempo. Aconteceu: chegar a um abrigo de idosos A entrada no abrigo representa para muitos idosos o fim de uma vida, mas é também, paradoxalmente, o início de outra se entendemos que a vida se estende em sucessões de mortes parciais (DELEUZE, 2013b). O que acontece neste intervalo entre um passado vivido e um presente por vezes dolorido, que faz força para atualizar-se, diante do qual, muitas vezes, os idosos resistem, tentando, literalmente, fugir, escapar, negar? Começamos este texto compartilhando reflexões sobre a chegada dos idosos ao Lar de Idosos – Abrigo Tiradentes – como um “acontecimento”, uma experiência, cujos sentidos que se abrem entre um fim e um começo estão à espreita de serem significados. O Cinema no abrigo: encontros, gestos e acontecimento 1240 Educação e Filosofia, Uberlândia, v.34, n.72, p. 1235-1252, set./dez. 2020. ISSN Eletrônico 1982-596X “acontecimento” não se resume ao fato em si da entrada do idoso no abrigo (e às implicações psicossociais, políticas, afetivas etc.), mas ao que escapa a esse fato: “Como se o acontecimento nascesse dentro da própria impossibilidade da linguagem dizer dos sentidos dos encontros corpóreos, uma fissura comunicativa que movimenta a criação de sentidos que não se fixam” (WUNDER, 2008, p. 79). Os sentidos para essa chegada são instáveis como um inverno que ainda é ao mesmo tempo em que a primavera está para chegar, quase chegando, à espera, mas ainda não é. Dias quentes, ventos frios. Céu azul, chuva fina. O inverno parece não ter ido embora, mas também já não está mais. As flores se abrem, mas ainda não é primavera. É

Volume 34
Pages 1235-1252
DOI 10.14393/REVEDFIL.V34N72A2020-53256
Language English
Journal None

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