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A filosofia da informação de Luciano Floridi como próte philosophía

 

Abstract


The scientific revolution inaugurated by Turing s work implied deep sociocultural changes that culminated in the current historical situation, the so-called “information age”. As the term itself suggests, information, as well as the technologies associated with it, is at the center of gravity of these changes. Recently, Luciano Floridi identified in this revolutionary process the context from which emerged a new form of philosophical reflection, the philosophy of information. The main objective of this paper is to present Floridi’s philosophy of information in general lines. More specifically, the focus of this presentation is on its metaphysical or ontological dimension. To this end, the paper is divided into two parts. Initially, it will be characterized the general framework within which the informational turn and the process of re-ontologization of the world associated with it took place, as well as the set of questions by which it is establiched the philosophy of information agenda. With this initial characterization, the concepts of semantic information, the methodology for levels of abstraction and the proposal of an informational structural realism, which constitute the kernel of this new form of philosophical reflection, described by Floridi as proté philosophía, will be introduced in general terms. Key-words: Philosophy of Information. Re-ontologization. Semantic Information. Structural Realism. Metaphysics. 41 Princípios: Revista de Filosofia Princípios: Revista de Filosofia, Natal, v. 28, n. 55, jan abr. 2021. ISSN 1983-2109. O Dasein tem uma tendência essencial à proximidade. Todos os modos de aceleração da velocidade, nos quais em menor ou maior grau estamos hoje forçados a participar, tendem à superação da distância. Com o ‘rádio’, por exemplo, o Dasein leva a cabo hoje, pela via de uma ampliação e destruição do mundo circundante cotidiano, um des-distanciamento do ‘mundo’, cujo sentido para o Dasein não podemos ainda apreciar em sua integralidade. Martin Heidegger, Ser e Tempo, 1927 Informação é informação, não matéria ou energia. Nenhum materialismo que não admita isto pode sobreviver na atualidade. Norbert Wiener, Cybernetics, 1948 A virada informacional e o processo de reontologização do mundo: o advento da filosofia da informação É difícil superestimar a dimensão de profundidade e de alcance das mudanças socioculturais desdobradas a partir da revolução científica inaugurada pela obra de Turing. Desde um ponto de vista histórico, esta revolução é comparável à Copernicana, Darwiniana e Freudiana, cada uma das quais implicando em alterações profundas tanto no que diz respeito à nossa compreensão do mundo quanto no que diz respeito à nossa compreensão sobre nós mesmos. No bojo de tais mudanças, 2 Caso haja resistência em se admitir a inclusão de Freud e da psicanálise junto da biologia evolucionista e da física copernicana, dadas as conhecidas objeções de Popper à psicanálise e as suspeitas de fragilidades epistêmicas suscitadas por esta crítica, é possível que se inclua, em seu lugar, a neurociência (FLORIDI, 2010, p. 13). Contudo, uma vez que cada uma das revoluções científicas mencionadas é atrelada a um nome representativo específico, por razões expositivas a inclusão de Freud é justificável, dado que ele consta como representante de mudanças decisivas que ocorreram no início do século XX, e que não estão restritas à psicanálise. 42 Princípios: Revista de Filosofia Princípios: Revista de Filosofia, Natal, v. 28, n. 55, jan abr. 2021. ISSN 1983-2109. também houve uma série de consequências tecnológicas importantes que abriram espaço para a emergência de novas possibilidades e realizações, para o bem e para o mal, e também um conjunto amplo e complexo de problemas de diversas ordens. Em relação à assim chamada “quarta revolução”, a situação tornase ainda mais premente se considerada, além do alcance e da profundidade, também a velocidade de seu desdobramento. Metaforicamente, Floridi ilustra este processo como um todo com a imagem de uma árvore. Entendida como uma árvore, a sociedade da informação desenvolveu seus ramos e copa muito mais ampla, rápida e caoticamente do que suas raízes culturais, éticas e conceituais (FLORIDI, 2010, p. 12). Como é sugerido pela imagem, o resultado desta assimetria expansiva é uma dificuldade de equilíbrio, e que pode ser exemplificada com os muitos problemas que florescem no interior da sociedade da informação e que nos atingem em diferentes níveis de intensidade. 3 Diante deste quadro, de que maneira poderia a filosofia contribuir para o desenvolvimento e fortalecimento das raízes culturais, éticas e conceituais da sociedade da informação? Considerada como uma atitude reflexiva de análise conceitual, qual conceito a filosofia poderia procurar analisar inicialmente? Naturalmente, dada a sua centralidade, o candidato para ocupar organicamente esta posição é o conceito de informação, que em última instância é o foco deste trabalho como um todo. Antes de iniciar propriamente a análise reflexiva deste conceito em particular, é importante dar um passo atrás e apresentar em linhas gerais seu solo e seu movimento de germinação, também conhecido na literatura como virada informacional (GONZALEZ, 2013, p. 5, FLORIDI, 2011, p. 18). 3 Como exemplos de tais problemas são destacáveis a apropriação indevida de propriedades intelectuais, o problema da perda ou da reconfiguração da privacidade, a dificuldade de regulação jurídica envolvendo cybercrimes e também o problema das fakenews. Em relação a este último problema, na medida em que diz respeito à dimensão alética da informação, caberia pensar quais as possíveis contribuições de uma filosofia da informação semanticamente centrada, isto é, para a qual a verdade consta como uma das notas características do conceito de informação. 43 Princípios: Revista de Filosofia Princípios: Revista de Filosofia, Natal, v. 28, n. 55, jan abr. 2021. ISSN 1983-2109. Em linhas gerais, a virada informacional é parte de um amplo e profundo processo de transformação cultural e social que envolve, por exemplo, o surgimento das ciências da computação (esciences) e das tecnologias de comunicação e de informação. Mais especificamente, a virada informacional consiste no reconhecimento da relevância teórica do conceito de informação para a filosofia (e também da filosofia para a informação), analogamente ao que foi o giro linguístico para a filosofia contemporânea do início do século XX. Em certo sentido e até certo ponto, o conceito de informação é virtualmente requerido para a filosofia em sua integralidade, pois problemas de epistemologia, filosofia da linguagem, estética, filosofia política e ontologia envolvem a análise, cotejamento e transmissão de informação. 4 Contudo, apesar de sua importância decisiva, até poucas décadas atrás o conceito de informação não esteve no centro da análise reflexiva filosófica, o que chega mesmo a ser qualificado 4 O ponto é delicado, pois pode sugerir uma hierarquização das diferentes disciplinas filosóficas, que dependeriam da ou orbitariam a filosofia da informação, o que provavelmente abriria um campo para disputas. Considerada neste contexto, a lógica se apresenta como especialmente polêmica, uma vez que é discutível se é possível haver informação sem pressupor lógica (em sentido amplo), assim como é discutível se a lógica pressupõe verdade. O movimento de Floridi parece desdobrar-se em duas direções, e não unilateralmente: por um lado, problemas filosóficos clássicos podem ser reformulados informacionalmente, mas isso não significa que seja esta a única formulação possível, e, por outro lado, a filosofia da informação teria problemas próprios. Admitida como uma especificação própria da reflexão filosófica, a filosofia da informação deve ser irredutível a outras formas do filosofar, mas dadas várias considerações de Floridi, por exemplo, sua admissão de problemas filosóficos como sendo de natureza aberta, bem como sua admissão da possibilidade de comparar diferentes níveis de abstração entre si, antes de se aproximar de um monismo informacional a partir do qual tudo seria interpretável à luz deste conceito, tal forma de reflexão aproxima-se de uma postura pluralista, pois o próprio conceito de informação está aberto a outras análises reflexivas que o considerem a partir de diferentes níveis de abstração. 44 Princípios: Revista de Filosofia Princípios: Revista de Filosofia, Natal, v. 28, n. 55, jan abr. 2021. ISSN 1983-2109. como um escândalo da filosofia (FLORIDI, 2011, p. 17). 5 Dito de outro modo, é escandalosa a ausência de análise conceitual filosófica sistemática e central diante de transformações tão profundas como as que são promovidas pela computação e suas tecnologias na era da informação na qual vivemos. Tendo em vista procurar superar esta situação escandalosa, Floridi chama a atenção para um processo silencioso e grave que acompanha a agitação tecnológica de nossos tempos, a saber, o processo de reontologização do mundo. É possível elucidar o ponto introduzindo um exemplo que nos é bastante familiar. Algumas décadas atrás, ter muitos livros, por exemplo, a coleção completa de Os Pensadores, implicava na necessidade de se ter um espaço físico adequado no qual se instalariam estantes, que por sua vez precisavam ser bastante reforçadas, dado o peso dos volumes (e, considerando as traças e cupins, este espaço 5 Desde um ponto de vista mais específico e interno à história da filosofia, o nascimento da filosofia da informação remonta à filosofia da inteligência artificial, que segundo Floridi teria pavimentado o caminho para a emergência de sua própria reflexão filosófica (FLORIDI, 2011, p. 2). Cabe aqui destacar que o conceito de informação já ocupou, antes do século XX, a atenção ou cumpriu uma função bastante relevante para importantes teóricos, como Peirce e von Uexküll. Adicionalmente, Dretske, F. Adams, K. Sayre e J. Gibson também estiveram às voltas com este conceito, inclusive em termos de info

Volume 28
Pages 39-61
DOI 10.21680/1983-2109.2020V27N54ID18454
Language English
Journal None

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