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O CASO VENEZUELANO COMO DESAFIO À INTEGRAÇÃO REGIONAL DEMOCRÁTICA SUL-AMERICANA
Abstract
Venezuela s complex and troubled contemporary reality demonstrates the existence of several factors that challenge South American regional integration. The feasibility of regional integrationist projects places its hopes in the expansion of democracy, constitutionalism and citizenship. It is used, as a methodology, bibliographic research through the analysis of books, legal articles, international documents, legislation and jurisprudence. The research is pure and qualitative, with descriptive and exploratory purpose. KEY-WORDS: Venezuela; Democracy; Integration; South America; Contemporary. 1. Introdução Questiona-se o futuro da integração regional sul-americana principalmente quanto a sua sobrevivência em uma relação de legitimação na qual os cidadãos e os governos aparentemente apresentam-se em posições antagônicas, afinal, a existência de conflitos é ínsita ao espírito democrático. * Doutor e Mestre em Direito Constitucional pela UFC. Professor Adjunto I do Departamento de Direito Privado da Faculdade de Direito da UFC de Direito Civil II (Direito das Obrigações) e Direito Civil V (Direito das Coisas). Coordenador da Graduação em Direito da UFC (2014 a 2017). Assessor do Reitor da UFC. Foi Advogado Júnior da ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), de 2008 a 2011. E-mail: [email protected] William Paiva Marques Júnior Revista Brasileira de Direito Internacional | e-ISSN: 2526-0219 | Belém | v. 5 | n. 2 | p. 37 57 | Jul/Dez. 2019. 38 A realidade contemporânea na América do Sul, especialmente na Venezuela demostra que a relação entre a democracia e a constituição revela-se como uma constante necessidade. As relações internacionais na primeira década do Século XXI foram marcadas por acontecimentos de grande relevo, como a guerra ao terror, promovida principalmente pelos Estados Unidos, a ascensão econômica chinesa, não apenas no entorno asiático, mas também em escala mundial, a mudança nos termos de troca em favor dos países produtores de bens primários, a extraordinária dinâmica de crescimento dos anos de 2003 a 2007, a crise financeira sistêmica desde 2008 e a recuperação do crescimento econômico dos países em desenvolvimento. Esses fenômenos sinalizam modificações estruturais no sistema econômico e político internacional, configurando novas relações estatais e o fortalecimento de outros projetos integracionistas, dentre os quais avultam em importância o MERCOSUL e, mais recentemente o PROSUL, ambos na América do Sul. Diversos temas servem de desafio à efetividade da democracia e do constitucionalismo na América do Sul, especialmente as deficiências na educação, o caos no acesso à saúde, a problemática ambiental, as violações estatais e não-estatais aos direitos humanos, a necessidade de combate ao narcotráfico e à violência endêmica, dentre outras questões fundamentais para o desenvolvimento da região. Desde a morte de Hugo Chávez ocorrida em 2013, a Venezuela vive inegável processo de crise econômica, política e social. O vazio de poder se acentuou com a pouca efetividade de Nicolás Maduro e com a baixa do preço do petróleo no mercado internacional. Com o agravamento da crise econômica, o governo de Nicolás Maduro aumentou a repressão exercida contra seus opositores, as detenções arbitrárias, violações sistemáticas aos direitos humanos, a falta de eleições livres e o cerceamento das liberdades individuais, inclusive com a questionável eleição de uma nova Assembleia Nacional Constituinte. Em dezembro de 2016, a Venezuela foi suspensa do MERCOSUL, sob o argumento jurídico que o país deixou de cumprir com os compromissos assumidos na sua adesão ao Bloco e, portanto, perdeu todos os direitos de participação. Em 2019, o Grupo de Lima, requereu ao Tribunal Penal Internacional (TPI) que investigue Nicolás Maduro, considerando a grave situação humanitária na Venezuela, a violência do regime de Maduro contra a população civil e a rejeição de assistência internacional, que, segundo manifestação do Grupo de Lima, constituem “crime contra a humanidade”. O CASO VENEZUELANO COMO DESAFIO À INTEGRAÇÃO REGIONAL DEMOCRÁTICA SUL-AMERICANA Revista Brasileira de Direito Internacional | e-ISSN: 2526-0219 | Belém | v. 5 | n. 2 | p. 37 57 | Jul/Dez. 2019. 39 Utiliza-se, como metodologia, de pesquisa do tipo bibliográfica por meio da análise de livros, artigos jurídicos, documentos internacionais e da legislação. A pesquisa é pura e de natureza qualitativa, com finalidade descritiva e exploratória. 2. Surgimento, desenvolvimento e características da integração regional sul-americana A formação histórica da integração regional da América do Sul remonta ao período de colonização dos portugueses e dos espanhóis, desde o Século XVI e implicou a formação de uma epistemologia informada pela imposição de valores europeus para a realidade do Sul, que implicaram uma dificuldade de superação dessa lógica de subalternidade mediante a formação de um modelo próprio, além da mera subsunção do modelo integracionista nos moldes europeus. De acordo com Gianfranco Pasquino (1998, pág. 632), “Integração”, lato sensu, significa a superação das divisões e rupturas e a união orgânica entre os membros de uma organização. De regra, esta organização é, atualmente, o Estado-nação; são, pois, dissensões entre os vários grupos que fazem parte do Estado. Se a organização é constituída de uma federação, as fraturas decorrem do grau de heterogeneidade dos Estados-membros. A Integração pode ser vista como um processo ou como uma condição. Se for vista como uma condição, falar-se-á de organizações mais ou menos integradas. Por seu turno Sandra C. Negro (2010, p. 34), aduz que se pode dizer da existência de algumas diferenças importantes peculiares à integração. Uma das principais é que, nas organizações internacionais, o mecanismo de cooperação intergovernamental é privilegiado, enquanto no processo de integração tem precedência ou tendem a adquiri-la as instituições criadas na tomada de decisões e na aplicação do ordenamento jurídico próprio da integração, para alcançar, em última instância, como evidenciado pela experiência europeia, a supranacionalidade. Conforme aduzem Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno (2010, págs. 486 e 487), as relações entre o Brasil e seus vizinhos responderam a apelos históricos contraditórios: isolamento, boa vizinhança, liderança. Imagens e percepções dos dois lados condicionaram a estratégia regional. Também as afinidades e diferenças. A Argentina, rival diminuída, disputou com o Brasil a influência sobre Uruguai, Paraguai e Bolívia. O Brasil contou historicamente com o Chile e, desde o Tratado de Cooperação Amazônica, de 1978, com os países amazônicos. A confiança mútua engendrada nas relações com a Argentina recuperou a ideia de Rio Branco de liderar a América do Sul em sintonia com esse vizinho maior, se William Paiva Marques Júnior Revista Brasileira de Direito Internacional | e-ISSN: 2526-0219 | Belém | v. 5 | n. 2 | p. 37 57 | Jul/Dez. 2019. 40 possível. No início dos anos de 1990, o Brasil traçou uma estratégia regional que permaneceria invariável: reforço do MERCOSUL com a convergência política entre Brasil e Argentina e organização do espaço sul-americano com autonomia perante os Estados Unidos. De acordo com Samuel Pinheiro Guimarães (2012, pág. 93), os destinos da América do Sul e da integração regional estão profundamente vinculados. A integração determinará o grau de resistência da região à crise e a suas repercussões nos países altamente desenvolvidos e na China. Atualmente observa-se que a América do Sul (apesar de suas assimetrias), campeia como modelo predominantemente democrático no Hemisfério Sul, fator considerado fundamental para o êxito do processo integracionista. Os valores informativos da democracia, do constitucionalismo, da cooperação, da harmonia, da complementaridade e da solidariedade, em substituição aos paradigmas da individualidade e da competitividade (norteadores das relações na realidade contemporânea), são fundamentais para o êxito do longo processo integracionista da América do Sul. Os avanços na integração sul-americana vão muito além da dimensão econômica abarcando também o lado político, para a evolução dos países, individualmente e em conjunto. A América do Sul representa a região mais democrática no mundo em desenvolvimento. A existência de regimes democráticos com inclusão social no conjunto da América do Sul leva, por sua vez, a um esforço de traduzir em manifestações coletivas o compromisso com a democracia. Já existia, no MERCOSUL, o Protocolo de Ushuaia. Em 2011, adotou-se, também na UNASUL, uma cláusula democrática, idêntico exemplo seguido pelo PROSUL. O recém-criado Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul (PROSUL) representa um processo de integração mais pragmático e orientado para resultados econômicos e para o fortalecimento da democracia na região. A partir da criação do PROSUL, o MERCOSUL assume um papel mais voltado para o livre comércio. Com a nova função do MERCOSUL em 2019 foram priorizadas relações do Bloco com a União Europeia, com a Associação Europeia de Livre Comércio e com o Canadá. De acordo com Florisbal de Souza Del‟Olmo e Eduardo Daniel Lazarte Moron (2019, online), no contexto latino-americano, observa-se que a tendência de formação de espaços de relações privilegiadas entre países, por meio de projetos de integração comercial, incluindo a formação de blocos econômicos regionais, não é recente e configura elemento O CASO VENEZUELANO COMO DESAFIO À INTEGRAÇÃO REGIONAL DEMOCRÁTICA SUL-AMERICANA Revista Brasileira de Direito Internacional | e-ISSN: 2526-0219 | Belém | v. 5 | n. 2 | p. 37 57 | Jul/Dez. 2019. 41 central nos esforços despendidos pelos governos locais com vistas a promover uma melhor inserção dos Estados da região no mercado internacional. Deve-se buscar um ritmo e modelo original na integração dos países sulamericanos, considerando-se que o modelo integrativo europeu, ocorrido após a Segunda Guerra Mundial, acontec