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FUNDAMENTAÇÃO FILOSÓFICA DO DIREITO À PRIVACIDADE NO CONTEXTO DA ERA DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

 

Abstract


It deals with the philosophical foundation of the right to privacy, as well as presenting the tensions and challenges for its protection within the information society. Explain the relationship of basic human goods to privacy. It delves into examples of privacy violations in today s society: technological, massified and individualistic, with some explanations about tort law. Key-words: privacy; basic human goods; information society; philosophy; tort law. 1 INTRODUÇÃO É inequívoco que todos os seres humanos atribuem demasiada importância a sua esfera pessoal de vida, no sentido de possuir controle e domínio acerca das informações que circulam sobre si, podendo voluntariamente propaga-las ou permitir que alguém o faça. Em outras palavras, as pessoas não querem que algumas de suas informações pessoais sejam expostas, proteção esta que encontra ressonância no campo constitucional (art. 5, X, CF-88). Ocorre que tal interesse de proteção de privacidade deve ser refletido com maior profundidade no campo da sociedade da informação, que é definida como uma nova forma de organização social que recorre ao intensivo uso da tecnologia da informação para coleta, 1 Doutor em Direito pela UFPA, com sanduíche pela University of Edinburgh. Mestre em Direito pela UFPA. Professor de graduação e pós-graduação do CESUPA e FACI-WYDEN. Advogado. Email: [email protected]. ‘ Alexandre Pereira Bonna Revista Brasileira de Direito Civil em Perspectiva | e-ISSN: 2526-0243 | Belém | v. 5 | n. 2 | p. 174 193 | Jul/Dez. 2019. 175 produção, processamento, transmissão e armazenamento de informações, como no uso das tecnologias de computação e telecomunicações, ao passo que informação consiste em um dado ou conjunto de dados em qualquer suporte capaz de produzir conhecimento, podendo ser uma imagem, som ou documento (VIEIRA, 2007, p. 156). Salienta-se que no mundo contemporâneo a informação é o princípio ativo da sociedade no sentido de que o trabalho, o lazer, a saúde, a educação, a política e economia dependem de informação, motivo pelo qual tem se potencializado a tecnologia na facilitação da coleta, produção, transmissão e armazenamento da mesma, dentro de uma chamada revolução da tecnologia da informação (VIEIRA, 2007, p. 157). Tal sociedade da informação compreende o uso de redes sociais, como o facebook, instagram e twitter, assim como aplicativos, como o whatszap e tinder e lojas de compras online como OLX e Mercado Livre mas, em um contexto mais amplo envolve também os cadastros de consumidores em lojas e hospitais, os dados sobre processos judiciais, débitos fiscais, assim como bancos de dados privados de empregadores e públicos da administração do governo. Destarte, há uma verdadeira Revolução envolvendo a informação, semelhante às revoluções de Copérnico, de Darwin ou Freud (FLORIDI, 2008, p. 651), pois a informação há décadas era de difícil transmissão, armazenamento e produção e hoje, fomentada pelos avanços tecnológicos, ocupa papel de destaque na sociedade contemporânea, sendo mais importante que a propriedade de bens materiais, como explica de forma pontual Hermínia Campuzano Tomé: “las nuevas tecnologias configuram la información como uno de los valores fundamentales de nuestra sociedade. Estamos caminhando desde una forma de vida assentada en los bienes físicos hacia una centrada en el conocimiento y la información” (2000, p. 20). Adicionalmente, percebe-se que a ideia de privacidade deve ser capaz de acompanhar as novas formas de violação da mesma, na medida em que o incremento tecnológico da informação possibilitou uma abrangência maior na busca, coleta, armazenamento e disseminação dos dados pessoais, sendo imperioso um estudo como esse artigo para do ponto de vista filosófico resgatar a importância da inviolabilidade da vida privada livre de interferências indevidas. Assim, os avanços tecnológicos da sociedade da informação no contexto do Estado de Direito, que prima pela proteção de direitos fundamentais como a privacidade, FUNDAMENTAÇÃO FILOSÓFICA DO DIREITO À PRIVACIDADE NO CONTEXTO DA ERA DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Revista Brasileira de Direito Civil em Perspectiva | e-ISSN: 2526-0243 | Belém | v. 5 | n. 2 | p. 174 193 | Jul/Dez. 2019. 176 promovem grande tensão entre a liberdade no uso dos instrumentos tecnológicos e o interesse de se recolher, ser deixado sozinho e possuir autoridade sobre informações pessoais, sendo pertinente o presente artigo, na medida em que tal choque pode ensejar efeitos indesejáveis no nível ético da sociedade e comprometer o patamar civilizatório do Estado de Direito na tarefa de primar pela proteção de direitos fundamentais. Essa tensão não é fictícia e hipotética. Por uma pequena amostragem do todo, o Comitê Gestor da Internet no Brasil identificou que 46% dos municípios brasileiros possuem um computador; o acesso à internet, que em 2005 atingia apenas 13% dos domicílios, no ano de 2012 alcançou 40% 2 . Já o estudo realizado Mariana Zanata Thibes (2014, p. 19) concluiu que só no Estado de São Paulo de 1999 a 2011 houve um aumento de 20% de processos judiciais envolvendo violação de privacidade, o que demonstra que o refinamento dos instrumentos de informação potencializou as possibilidades de ameaça à privacidade. Como exemplo de conflito, no processo n. 0004031-61.2012.8.14.0201 (2a Vara Cível da Comarca de Icoaraci/PA), a vítima tomou conhecimento por meio de um amigo da existência de um falso perfil em seu nome, oferecendo serviços de prostituição no site de relacionamentos “facebook”, que por sua vez demorou sete meses para retirar o perfil falso, sem falar de vazamento de divórcios, ações de alimentos, dados bancários, doenças e exames e as perturbações diárias que os consumidores sofrem com ligações e e-mails de pessoas desconhecidas e vendedores em razão de algum cadastro de loja repassar os dados. Em todos os casos se percebe a falta de controle sobre informações da própria vida, que circulam desordenadamente. Nesse desiderato, atento à necessidade de resgatar a importância da privacidade no seio dessa sociedade da informação, este artigo aborda, no campo teórico, fundamentos filosóficos da proteção da privacidade como essencial para o florescimento humano individual, assim como, no campo prático, reflete sobre as constantes violações da privacidade no bojo da sociedade da informação a partir de literatura que se debruça sobre a proteção de dados no contexto da sociedade da informação. Nesse ínterim, demonstra que tais tensões podem promover uma crise do próprio Estado de Direito diante do uso contemporâneo das ferramentas tecnológicas, especialmente considerando o seu afã de proteção de direitos fundamentais como limitadores da atividade do governo e dos agentes 2 Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC Domicílios 2010. ‘ Alexandre Pereira Bonna Revista Brasileira de Direito Civil em Perspectiva | e-ISSN: 2526-0243 | Belém | v. 5 | n. 2 | p. 174 193 | Jul/Dez. 2019. 177 privados, tendo em vista que “los poderes privados constituyen hoy una amenaza para el disfrute efectivo de los derechos fundamentales no menos inquietante que la representada por el poder público” (UBILLOS, 1997, p. 243). Nesse sentido, ressalta-se que o artigo parte do pressuposto teórico de que a privacidade é melhor compreendida quando se reconhece a pretensão de justiça subjacente a sua correlata proteção, pretensão esta que no presente trabalho é a do florescimento humano caldado nos bens humanos básicos desenvolvidos pela filosofia da lei natural. Em outras palavras, defende-se que no momento de identificar se há ou não violação da privacidade, o pesquisador deve ser alimentado não apenas pelo instrumental frio do texto legal, mas também e principalmente deve compreender que a racionalidade de proteção da privacidade envolve a pretensão de proteger aspectos essenciais do florescimento humano, os quais são total ou parcialmente fulminados a partir da violação da privacidade. Nesse viés, qualquer fenômeno das ciências sociais é melhor manuseado quando são compreendidos os fins últimos que subjazem o arquétipo de proteção dos bens existenciais, envolvidos em um complexo empreendimento de promoção do florescimento humano e proteção daqueles bens sem os quais não se vive uma vida plena. Por conseguinte, quando se compreende a finalidade da proteção da privacidade dentro dos bens humanos básicos, o pesquisador pode desempenhar melhor o seu raciocínio sobre regras de convivência no bojo de uma sociedade complexa, tecnológica, individualista e de risco, investigando o bem comum e o tipo de sociedade que o Estado de Direito deve estar comprometido para a construção do bem viver de todos. Desta feita, no campo da filosofia e da ética, o artigo explora o referencial teórico de Bebhim Donnelly, John Finnis e Mark. C. Murphy, de modo a fundamentar, na ética dos bens humanos básicos que compõem a proteção da privacidade. Assim, visamos a elucidar e fortalecer tal interesse essencial para o florescimento humano no bojo das complexas relações sociais inseridas na tecnologia, a partir da teoria do pensamento contemporâneo da lei natural, que renova as fontes filosóficas da ética clássica de Aristóteles e Tomás de Aquino. No campo das ciências sociais, utilizaremos literatura variada nacional e estrangeira acerca das constantes ameaças à privacidade no manuseio das tecnologias para ao final concluir sobre a necessidade de resgate da privacidade como pilar do florescimento humano no bojo de uma sociedade tecnológica e individualista. FUNDAMENTAÇÃO FILOSÓFICA DO DIREITO À PRIVACIDADE NO CONTEXTO DA ERA DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Revista Brasileira de Direito Civil em Perspectiva | e-ISSN: 2526-0243 | Belém | v. 5 | n. 2 | p. 174 193 | Jul/Dez. 2019. 178 2 BENS HUMANOS BÁSICOS E A PRIVACIDADE Antes de adentrar na fundamentação filosófica do direito à privacidade, cumpre destacar que este direito faz parte da proteção do ser humano em relação a bens personal ssimos, ou seja, direitos ina

Volume 5
Pages 174
DOI 10.26668/indexlawjournals/2526-0243/2019.v5i2.5965
Language English
Journal None

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