Archive | 2019

Envelhecimento e Bioética

 

Abstract


No presente numero da Gazeta Medica sao publicados dois artigos ligados a problematica do envelhecimento na saude, um original - Estudo do processamento auditivo\xa0central em pessoas idosas de\xa0um centro de dia: Resultados preliminares, e outro de revisao - O envelhecimento pulmonar e as suas alteracoes imagiologicas. A este proposito, este editorial pretende ser um convite a reflexao sobre envelhecimento e bioetica.A demografia e a epidemiologia demonstram o aumento crescente de idosos devido ao acelerado progresso biotecnologico e a melhoria das condicoes de vida. No entanto, ha evidencias de que o envelhecimento torna o organismo mais suscetivel a doencas.Sabendo que Portugal, de acordo com dados de 2015 do Eurostat, e o quarto pais da Uniao Europeia com maior percentagem de pessoas idosas, apenas ultrapassado pela Grecia, Alemanha e Italia, entre os 28 paises membros, este problema do envelhecimento e as suas consequencias medicas e bioeticas, bem como sociologicas e economicas sao de relevante e crescente importância.De facto, o aumento da populacao com 80 ou mais anos, tem sido significativa nas ultimas decadas, verificando-se de acordo com dados oficiais da PORDATA de 2015, que esta faixa da populacao representava 1,43% da populacao residente em Portugal em 1971, passando a representar 5,84% em 2015.Confirmando esta profunda transformacao demografica caracterizada, entre outros aspetos, pelo aumento da longevidade e da populacao idosa, verificamos que em 2017 o indice de longevidade no nosso pais era de 29,2%, ou seja, o dobro relativamente ao observado em 1960 (14,5%), segundo dados do Eurostat-PORDATA.O envelhecimento individual e um processo condicionado por fatores biologicos, sociais, economicos, culturais, ambientais e historicos, podendo ser definido como um processo progressivo de mudanca biopsicossocial da pessoa durante todo o ciclo de vida (Organizacao Mundial de Saude - OMS).Por sua vez, o conceito de “envelhecimento saudavel” refere-se ao processo de desenvolvimento e manutencao da capacidade funcional, que contribui para o bem-estar das pessoas idosas, sendo a capacidade funcional o resultado da interacao das capacidades fisicas e mentais intrinsecas da pessoa com o meio (OMS). Viver mais, tambem significa estar mais exposto a riscos, como a vulnerabilidade do estado de saude, o isolamento social e pessoal, bem como a dependencia fisica, mental e tambem economica.No mundo, cerca de 23% da carga global da doenca e atribuivel a condicoes que afetam pessoas com 60 ou mais anos. As principais condicoes que contribuem para esta excessiva carga global da doenca sao as doencas cronicas nao transmissiveis, como as doencas cardiovasculares, alteracoes metabolicas como a diabetes, as neoplasias malignas, as doencas respiratorias cronicas, as doencas musculo-esqueleticas (como a artrose e a osteoporose), os disturbios neurologicos e mentais, como a demencia e a depressao (OMS).O aumento da sobrevivencia na presenca destas doencas tambem resulta na perda de funcionalidade em idades mais avancadas.As doencas cronicas nao transmissiveis sao responsaveis, segundo dados da Direcao Geral de Saude (DGS) de 2015, por 88% dos anos de vida vividos com incapacidades em Portugal, com destaque para as doencas musculo-esqueleticas (30,5%) e as perturbacoes mentais e do comportamento (20,5%). Considerando que o envelhecimento se inicia logo apos o nascimento e se prolonga por toda a existencia e que as determinantes para o envelhecimento ativo exercem a sua influencia durante toda a vida, as respostas da sociedade para\xa0o envelhecimento da populacao devem passar pelas varias fases do ciclo de vida (OMS).As taxas de doenca cardiovascular, respiratoria, artropatias e doencas mentais refletem geralmente o sucesso ou a falencia na prevencao das doencas referidas.Nas ultimas decadas, a investigacao medica e biotecnologica conduziram a maior precocidade e precisao no diagnostico, mas tambem ao desenvolvimento de novas terapeuticas, nomeadamente antibioticos e drogas antivirais e tratamentos inovadores em oncologia, bem como desenvolvimento de tecnicas cirurgicas salvadoras de muitas vidas como por exemplo a cirurgia coronaria.No entanto, todos estes ganhos em longevidade e melhoria dos indicadores de saude em geral resultam de grandes investimentos biotecnologicos cada vez mais diferenciados e mais caros.Tambem por este facto a populacao idosa encara por vezes a discriminacao arbitraria nao so social, mas tambem da comunidade medica, tornando o ageismo um fenomeno mais lato e discriminatorio como acontece quando o recrutamento para um ensaio clinico potencialmente salvador da vida e limitado pela idade do doente, ou excluido de uma terapeutica inovadora, mas cara, de uma forma arbitraria pela mesma razao.Esta atitude pode ser vista como injusta para com as pessoas mais velhas, que, em principio, por terem vivido muito, teriam mais experiencia e sabedoria para aperfeicoar a construcao da comunidade onde estao inseridos. Esta era a percecao de Cicero em “De Senectute”, obra em que considera a velhice como a presenca do passado no presente, representando os idosos uma mais-valia como colaboradores competentes para tornar a sociedade mais justa e homogenea.A modernidade, entretanto, tornou o passado territorio de pouco valor. Sob o influxo dos frequentes avancos tecnologicos da modernidade o ‘novo’ ganhou status especial, ultrapassando e esquecendo a reverencia e o respeito tradicionalmente conferidos a sabedoria acumulada pelas pessoas idosas. Nessas condicoes, os idosos perdem prestigio e influencia nas relacoes institucionais e por vezes apenas sao merecedores de respeito se nao se transformarem em peso demasiado oneroso para o equilibrio financeiro da gestao publica dos recursos destinados a saude.

Volume None
Pages None
DOI 10.29315/gm.v6i3.278
Language English
Journal None

Full Text