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O direito de crítica e o mandato político

 

Abstract


O direito de liberdade[1] à informação jornalística foi objeto de proteção específica pela nossa Constituição, que, no parágrafo lº, do artigo 220, vedou expressamente qualquer atividade que possa constituir obstáculo ou embaraço ao fluxo informativo. Nesse sentido, o mens constitutionem é clara e incontroversa ao estipular vedação, quer ao Poder Executivo, quer ao Legislativo, para edição de atos ou desempenho de atividades que obstaculizem ou, de alguma forma, embaracem a livre informação jornalística. \xa0\xa0 Na verdade, a informação jornalística foi alçada a um patamar singular de proteção por razões bastante palpáveis. É que a informação jornalística constitui veículo da opinião pública livre. Esta, de sua vez, garantia institucional da democracia e do pluralismo político, indicados, pelo artigo 1º, caput e inciso V, da Constituição Federal, como, respectivamente, essência e fundamento da República Brasileira. O direito de informação jornalística, tal qual os demais direitos fundamentais, não é absoluto. Antes, é limitável, encontrando na existência e na observância dos demais direitos constitucionais as fronteiras demarcatórias da sua extensão. \nEm diversas situações, o exercício de um direito fundamental pode implicar a ofensa de outro, ou outros direitos, de igual ou diferente natureza. Essas hipóteses, concretizadas amiúde na fenomenilização dos preceitos constitucionais fundamentais, albergam diferentes soluções. Muitas vezes, por exemplo, a própria Constituição se preocupa com a compatibilização dos dois ou mais institutos envolvidos. Por um lado, por exemplo, prescreve o direito fundamental à propriedade privada. De outro, institucionaliza a desapropriação. Contudo, compatibiliza a aparente assincronia, disciplinando a prévia e justa indenização. Em outras ocasiões, o constituinte outorga ao legislador ordinário a faculdade de integrar em eficácia institutos constitucionais, ou ainda faculta a edição de diploma de eficácia de suas normas. São as chamadas normas constitucionais de eficácia restrita e de eficácia contida, obedecendo-se classificação preconizada pelo Professor José Afonso da Silva.[2] Nessas situações não se colidem com os direitos, vez que o advento da legislação ordinária foi previsto e preconizado pela própria Constituição, “mas só tem cabimento na extensão requerida pelo bem-estar social. Fora daí é arbítrio,[3] conforme advertência do precitado jurista. \nTodas essas situações, no entanto, trazem como nota de similitude a existência de regras, dentro do sistema, de equacionamento desses supostos conflitos. De conseguinte, a questão a merecer maior detença é exatamente aquela em que os direitos colidentes permanecem ao desabrigo de anterior previsão constitucional regulamentar, é dizer, quando o conflito normativo, no qual se enlastram diferentes direitos constitucionais, não advém da abstração regulamentar da norma, mas surge no exercício convergente de dois direitos que, em certa medida, passam a se antagonizar. \nTal situação bem se expressa no contraponto entre o exercício do direito à livre expressão do pensamento e o direito à honra ou à intimidade, onde certamente teremos circunstâncias de inconciliabilidade entre o exercício absoluto e ilimitado dos direitos colocados em concreta oposição. São as chamadas “colisões”[4] de direitos fundamentais, onde esses direitos, igualmente protegidos pelo texto constitucional, entram em conflito, visto que o concreto exercício de um direito fundamental implica a invasão da esfera de proteção de outro direito fundamental. Daí se poder afirmar que os direitos fundamentais não são absolutos ou ilimitados. \nCom pena de mestre, José Carlos Andrade Vieira[5] versa o tema: \xa0\xa0 “Não o são na sua dimensão subjetiva, pois que os preceitos constitucionais não remetem para o arbítrio do titular a determinação do âmbito e do grau de satisfação do respectivo interesse”. \xa0 Seguindo nessa trilha, resta analisar a problemática da determinação de um critério de compatibilização entre os direitos antagonizantes. Inexiste regra geral a ser observada em todas as situações de conflito, mesmo porque tais colisões não se situam no plano normativo, vale dizer, dentro do raio regulamentar de cada uma das normas, mas, contrariamente, surgem no concreto exercício dos direitos. Ninguém nega validade à norma protetiva da liberdade de imprensa. O mesmo se diga em relação à norma que protege a intimidade. No mundo fenomênico, porém, vezes a fio existirão circunstâncias em que o exercício da liberdade de imprensa implicará possível desrespeito à intimidade, sem que com isso se anule quaisquer das regras em análise, pressupondo-se, contudo, a compatibilização prática de ambas. Acompanhando o precitado mestre português[6], para que se equacione concretamente a questão “exige-se que o sacrifício de cada um dos valores constitucionais seja necessário e adequado à salvaguarda dos outros”. Tal entendimento, aliás, afina-se inteiramente à lição de Canotilho e Vital Moreira, que ensinam: “No fundo, a problemática da restrição dos direitos fundamentais supõe sempre um conflito positivo de normas constitucionais, a saber entre uma norma consagradora de certo direito fundamental e outra norma consagradora de outro direito ou de diferente interesse constitucional. A regra de solução do conflito é da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos e da sua mínima restrição compatível com a salvaguarda adequada de outro direito fundamental ou outro interesse constitucional em causa. Por conseguinte, a restrição de direitos fundamentais implica necessariamente uma relação de conciliação com outros direitos ou interesses constitucionais e exige necessariamente uma tarefa de ponderação ou de concordância prática dos direitos ou interesses em conflito. Não se pode falar em restrição de um determinado direito fundamental em abstrato, fora da sua relação com um concreto direito fundamental ou interesse fundamental diverso”.[7] \xa0 \nSegue-se dupla conclusão, a primeira que os direitos fundamentais, não sendo absolutos, são limitáveis, a segunda que essa Iimitabilidade não está plasmada em qualquer regra constitucional de contenção, mas sim aportada no efetivo exercício de direitos colidentes, hipótese em que, no caso concreto, se promoverá a conciliação dos direitos e interesses constitucionais envolvidos a partir da premissa de máxima observância e mínima restrição dos direitos fundamentais relacionados. O raciocínio tem aplicação cabal para a definição do regime jurídico do direito de informação jornalística, o qual, dentre outros, encontra nos direitos da personalidade, em especial a intimidade e a privacidade, limites claros ao seu exercício. Tratamento jurídico singular, no entanto, parece receber o direito de crítica em relação à atividade dos mandatários políticos. Com efeito, o direito de informação jornalística deriva da reunião de dois institutos: a notícia e a crítica. Aquela pode ser singelamente definida pela veiculação de fato cujo conhecimento seja importante para que o indivíduo participe da vida em sociedade. A crítica pode ser conceituada como juízo de valor aportado sobre a notícia. \nDesde logo, observamos que o presente raciocínio tem aplicação específica: as relações derivadas do exercício do mandato e não a vida íntima ou privada do mandatário. No âmago das relações políticas, o direito de crítica adquire um colorido singular. Razões de duas ordens pelejam para o acerto dessa afirmação. A primeira consistente na exposição pública do mandatário, o qual, no terreno das relações políticas, se vê contingenciado a trazer ao conhecimento do público seus predicados de legislador, de administrador, de líder, enfim, de gestor da coisa pública em determinada polis. Por evidente que nessas condições, em que o indivíduo, por espontâneo ato de vontade, traz a público diversas afirmações quanto aos seus predicados e qualidades, não pode reclamar quanto a eventuais dúvidas ou questionamentos quanto aos mesmos. \nEssa, aliás, a advertência de Thomas Cooley: “Quando alguém se apresenta candidato a um cargo público, põe voluntariamente em evidência as suas aptidões para o cargo, e todos quantos duvidam d’ellas têm o direito de fazer sentir ao povo as suas dúvidas, e exporem-lhe livremente as razões”.[8] Com efeito, ao concretizar uma postulação política, seus predicados podem e devem ser dissecados por seus eleitores. Em síntese, a pessoa que se oferece ao julgamento de seus concidadãos, com o fito de vir a gerir o patrimônio e as coisas públicas, se coloca em uma situação de manifesta evidência e não pode reclamar o mesmo nível de privacidade de um cidadão comum, pois que é ingênuo à política a exposição ao público, que, desta feita, tem o direito a informações que sejam necessárias para a formação de um juízo quanto à vida pública do mandatário. \nAfinado a esse mesmo diapasão, o Tribunal Constitucional Espanhol, na sentença de 8 de junho de 1998, assim se manifestou: “...cuando las libertades se ejerciten en conexión con asuntos que son de interés general por las materias a que se refiere y por las personas que en ellos intervienen y contribuyen, en consecuencia, a la formación de la opinión pública, alcanzando entonces su máximo nivel de eficacia justificadora frente al derecho al honor, el cual se debilita proporcionalmente como limite externo de las libertades de expresión e información, en cuanto sus titulares son personas públicas o resultan implicadas en asuntos de relevancia pública, obligadas por ello a suportar un cierto riesgo de que sus derechos subjetivos de la personalidad resulten afectados por opiniones e informaciones de interés general, pues así lo requiere el pluralismo político, la tolerancia y el espíritu de apertura, sin los cuales no existe sociedad democrática”.[9] \nA segunda ordem de razões, todavia, é mais específica e diz respeito exclusivamente aos atos praticados no exercício do mandato. Com efeito, o mandato aqui referido, obviamente, é o mandato político o

Volume 5
Pages None
DOI 10.48143/RDAI.16.VSNJ
Language English
Journal None

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