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Humanitas | 2010

O peixe para os judeus e para os cristãos: leituras de um símbolo à luz da cultura greco-romana

Paula Barata Dias

Fish and sea creatures in general may be considered a problematic subject for Judeo-Christianity. In the Bible, they are not identified by the particular characteristics of each species, but, at the same time, they support one of the most expressive, abundant and complex signs of the Judaeo-Christian religiosity. It’s the aim of this paper to discuss the reasons for the silence that surrounds the particular material traces of sea creatures in biblical texts, in spite of their relevance as a religious symbol, and to compare this specific reality with the status of fish in the Greek and Roman pagan world contemporary with the spread of Christianity. Key-words: food, Bible, Genesis, Leviticus, Deuteronomy, Greek Roman world, Judeo-Christianity, fish, religion. 148 Paula Barata Dias Observou o naturalista e eclesiástico Henry Baker Tristram, autor de The Natural History of the Bible (1889, Londres, p. 284), que na língua hebraica não se encontra nenhum termo específico para designar espécies particulares de peixe e espécies marinhas, ao passo que a língua grega antiga e o latim apresentavam designações distintivas: não menos de quatrocentos nomes para o grego, conforme os estudos linguísticos exaustivos de Francis Wood levados a cabo durante a década de trinta do séc. XX vieram confirmar, e cerca de duzentos e sessenta para o latim1. De facto, os meados do século passado produziram abundantes estudos filológicos, concentrados nos aspectos etimológicos, morfológicos e semânticos, que trouxeram um conhecimento sistemático acrescido acerca da capacidade de o grego e o latim exprimirem e descreverem a realidade dos seres aquáticos. O espaço geográfico e o sistema ecológico do mundo mediterrâneo constituíam uma realidade natural comum, e os contactos comerciais e culturais desde cedo estabelecidos entre os povos do mediterrâneo garantiram a partilha de experiências e a influência recíproca. Assim, muitas designações particulares de peixes adaptaram-se, por transliteração sobretudo, do grego para o latim, mas também, numa etapa anterior, do egípcio para o grego. As pesquisas de D’Arcy Thompson desenvolvidas sobre os textos de Heródoto, Estrabão, Diodoro, Ateneu e Xenócrates expuseram que muitas designações gregas de tipos de peixe não se explicam pela etimologia grega, mas se justificam pela proximidade fonética com os termos egípcios das espécies piscícolas correspondentes2. Este exemplo bem sucedido de transferência cultural entre os povos da Bacia Mediterrânica torna a questão do particularismo hebraico ainda mais complexa. De facto, os egípcios davam forma linguística a uma realidade menos conhecida, ou não presente no espaço original dos gregos, que é o das espécies marinhas de um grande rio, como o Nilo, e estes termos migraram 1 Wood, F. A. (1927) “Greek Fish-Names”, The American Journal of Philology, 48, 4: 297-325. Id. (1928), “Greek Fish Names: Part II” ibid., 49, 1: 36-56. Id. (1928), “Greek Fish Names: Part III”, ibid., 49, 2: 167-187. Cotte, J., (1945) Poissons et animaux aquatiques au temps de Pline, Paris. Saint-Denis, E. de, (1947) Le vocabulaire des animaux marins en latin classique, (Études et Commentaires), Paris. Thompson, D’Arcy W., (1947) A Glossary of Greek Fishes, Oxford. Andrews, Alfred C., (1948) “Greek and Latin Mouse-fishes and Pig-fishes”, Transactions and Proceedings of the American Philological Association, 79: 232-253. 2 Thompson, D’Arcy W., (1928), “On Egyptian fish-names used by greek writers”, The Journal of Egyptian Archaeology, 14, 1: 22-33. 149 O peixe para os Judeus e para os Cristãos para o grego quando os dois mundos estabeleceram um contacto efectivo, intensificado pelas conquistas de Alexandre. No mundo latino observa-se a mesma experiência do designar espécies estranhas à fauna marinha do espaço primitivo dos romanos3. Desta forma, espécies mais comuns nos rios Atlânticos ou do Centro e Norte da Europa, como o salmão e a truta, receberam designação latina, no que resulta de um processo modelar de contacto com uma nova realidade e da integração de um elemento novo na estrutura mental e linguística da instância de recepção. Assim, é natural que os romanos, cuja expansão ocorreu também para o Ocidente Atlântico e a Europa Central, apresentassem um termo específico para o salmão e distinguissem três tipos diferentes de truta, enquanto os gregos, tendo a sua expansão privilegiado o Este, o Sul e o Mediterrâneo oriental, só particularizassem na sua língua a espécie presente nos rios da Magna Grécia, a única experiência efectivamente relevante para o contacto com esta realidade natural. De facto, o interesse pelo mundo natural marinho foi constante entre pensadores gregos e romanos, conhecendo-se um número considerável de tratados que, sob os ângulos mais diversos, se dedicaram à classificação e descrição da fauna marinha. Aristóteles e sobretudo o livro nono da História dos Animais foi seguido por tratados de biologia marinha produzidos pela ciência helenística, hoje conhecidos pela sua utilização directa na obra de autores posteriores: Aristófanes de Bizâncio (séc. III a.C.), Leónidas de Tarento (séc. III a.C.), Alexandre de Mindo (séc. I d.C). O livro oitavo do De Re Rustica de Columela teve por assunto prestar informações técnicas sobre a criação artificial de peixe com fins comerciais. Plínio o Velho dedicou os livros nono e trigésimo segundo da sua obra aos animais marinhos. Numa perspectiva diferente, o poema didáctico de Opiano Halieutica descreveu a história natural dos peixes nos dois primeiros livros, e os métodos de pesca nos três restantes. Dos quinze livros da obra de Ateneu de Náucrates Os Deipnosofistas (séc. II a.C.) o terceiro e o sétimo apresentam a culinária 3 Andrews, Alfred C. (1955), “Greek and Latin terms for salmon and Trout”, Transactions and Proceedings of the American Philological Association, 86: 308-318. Nas pp. 317-318, apresenta-se a lista de correspondências: para o salmão, espécie salmo salar, com a designação corrente em latim isox, salmo, ancoranus ou ancorago; truta castanha, salmo trutta, em latim corrente fario; salmo trutta fario, em latim corrente salar; salmo trutta lacustris, em latim corrente tructa, posteriormente trutta; salmo truta macrostima, conhecida em grego como tropes, ou puron; em latim tructa e mais tarde trutta (espécie natural nos rios do Sul de Itália). 150 Paula Barata Dias do peixe, isto é, o aproveitamento gastronómico das espécies marinhas, ilustrado com citações de tratados de ictiologia. Grande parte do interesse da obra de Ateneu deriva de nela estarem contidas cerca de sessenta e dois fragmentos do poema perdido Hedypatheia, «Vida de Delícias» de Arquéstrato de Gela (séc. IV a.C), um grego siciliano precursor da atitude dos actuais gourmets, considerado o criador da gastronomia, que não teria hesitado em viajar pelo mundo conhecido de então, desde as costas itálicas até aos confins das costas do Mar Negro, para apresentar «as delícias» e o melhor modo de as valorizar pela arte culinária. Arquéstrato teria sido um admirador fervoroso do peixe, pois, dos sessenta e dois fragmentos do seu poema contidos na obra de Ateneu, quarenta e oito dizem respeito a peixe4. Destacam-se ainda, entre as autoridades evocadas, Doriano, autor do séc. I d.C., e sobretudo Pamphilos de Alexandria, que, em meados do séc. I d.C., teria feito um levantamento enciclopédico e glossográfico da cultura geral do tempo de Adriano, trabalho muito dependente de Alexandre de Mindo. Outros autores dos primeiros dois séculos do Império foram Juba II, Rei da Mauritânia, Metrodoro, Demóstrato5. Plutarco apresentou também, entre os seus Moralia, o De Sollertia Animalium, apresentado nos catálogos dos títulos das suas obras sob a sugestiva questão Terrestriane an aquatilia animalia sint callidiora, no qual se discute o tópico da sapidez, qualidade nutritiva e propriedades dietéticas das criaturas marinhas em comparação com as criaturas terrestres. Deixamos de lado todos os autores literários que, nos passos em que descrevem aspectos da vida quotidiana antiga, incluem a presença comum do peixe nos hábitos alimentares dos povos sob influência do mundo greco-romano, bem como aqueles que dirigem a sua atenção para a dietética e aspectos médicos, nomeadamente o da ingestão de peixe na saúde dos indivíduos. A obra da Antiguidade Tardia De Re Quoquinaria atribuída ao 4 Pode, evidentemente, colocar-se a legítima dúvida de o gosto pelo peixe pertencer a Ateneu, que poderia ter seleccionado da obra de Arquéstrato os excertos correspondentes às espécies piscícolas. Mas trata-se de uma hipótese remota, atendendo ao modo como foi recolhida a informação. Arquéstrato teria viajado pelos portos comerciais da orla mediterrânica, pelo que teria tido acesso aos produtos locais destes espaços fortemente helenizados. Os produtos do mar seriam, portanto, recurso abundante. 5 Corcoran, Thomas (1964), “Fish Treatises in the Early Roman Empire”, The Classical Journal, 59, 6: 271-274. Rapp, Albert (1955), “The Father of Western Gastronomy”, The Classical Journal, 51, 1: 43-48. Koromilas, Kathryn (2007), “Feasting with Archestratus”, Odissey, Nov./Dec.: 68-69. 151 O peixe para os Judeus e para os Cristãos lendário cozinheiro do séc. I d.C. sob o principado de Tibério, apesar da incerteza que rodeia a transmissão e a composição da mesma oferecer pouca segurança quanto à possibilidade de se tratar de um documento fidedigno do estado efectivo do gosto alimentar romano num momento preciso, confirma, sobretudo a partir das receitas contidas nos dois últimos livros «Frutos do Mar» e «Peixe», que a prática alimentar do mundo clássico incluía espécies marinhas variadas, preparadas sob uma diversidade de tal forma imaginativa que não será falso afirmar que o código alimentar clássico era extraordinariamente liberal no uso das espécies marinhas, mesmo em comparação com o mundo actual6. Aos documentos escritos, acrescentam-se, como argumentos de confirmação do interesse do mundo antigo greco-rom


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