Quando falamos sobre monitoramento da saúde comunitária, a análise de águas residuais pode não ser a primeira ferramenta que vem à mente. No entanto, cada vez mais cientistas e especialistas em saúde pública estão a utilizar a epidemiologia baseada em águas residuais para identificar e monitorizar a presença do vírus e a sua via de transmissão, demonstrando novas aplicações da sabedoria antiga nas estratégias modernas de saúde pública.
O esgoto contém indicadores de saúde dos quais não temos fácil conhecimento, o que é crucial para controlar e prever potenciais epidemias.
A ideia central da epidemiologia básica de águas residuais é que os produtos químicos e patógenos presentes nos dejetos humanos podem refletir a saúde de uma comunidade. Os pesquisadores coletam amostras de estações de tratamento de águas residuais e analisam os indicadores químicos e as cargas de patógenos nesses efluentes para inferir possíveis eventos de saúde na comunidade. Por exemplo, durante a pandemia de COVID-19, os cientistas analisaram o ARN do SARS-CoV-2 em amostras de esgotos para monitorizar tendências virais.
A epidemiologia baseada em águas residuais não é uma tecnologia nova. A sua história remonta à década de 1940, quando os cientistas utilizaram pela primeira vez este método para detectar o poliovírus. Com o tempo, esta tecnologia foi adotada e expandida em todo o mundo. Um estudo de 2005 analisou amostras de água do rio Pó, em Itália, e descobriu a presença de cocaína e dos seus metabolitos.
Com o rápido desenvolvimento da epidemiologia básica do esgoto após 2000, vários países estabeleceram sucessivamente sistemas de monitoramento do uso de drogas e da saúde pública.
A epidemiologia básica de águas residuais funciona de forma semelhante aos testes de urina de indivíduos, mas aqui para comunidades inteiras. A urina e as fezes descartadas pelos moradores acabarão fluindo para a estação de tratamento de esgoto. Amostras de esgoto são coletadas e analisadas por meio de amostradores automáticos. Especialistas usam tecnologias analíticas avançadas, como cromatografia líquida e espectrometria de massa (LC-MS), para quantificar águas residuais. produtos químicos específicos.
Essa abordagem de análise baseada na comunidade fornece uma visão mais abrangente, revelando a saúde de uma comunidade inteira, em vez de apenas dados individuais.
Uma das principais aplicações desta tecnologia é o monitoramento de vírus. Estudos demonstraram que a presença de patógenos como poliovírus, enterovírus e coronavírus pode ser detectada em águas residuais. Durante a epidemia de COVID-19, muitos países lançaram programas básicos de vigilância epidemiológica de águas residuais, que não só ajudaram a avaliar a carga viral na comunidade, mas também serviram, até certo ponto, como um sistema de alerta precursor para o surto.
Nos últimos anos, o monitoramento de águas residuais também se tornou uma ferramenta importante para estudar a resistência antimicrobiana. Alguns estudos descobriram que diferentes genes de resistência estão presentes em amostras de esgoto e que esses genes são transferidos entre diferentes espécies microbianas, representando uma ameaça potencial à saúde pública.
O monitoramento de águas residuais também é usado para identificar surtos de doenças raras, como a varíola dos macacos. Esta tecnologia proporciona um tempo de alerta crítico às autoridades de saúde pública, permitindo-lhes alocar melhor os recursos e desenvolver intervenções.
Em comparação com os testes individuais tradicionais, os testes de esgoto podem fornecer informações sobre a saúde de toda a comunidade e ajudar a prevenir a propagação de doenças em tempo hábil.
Embora a epidemiologia básica de águas residuais tenha um grande potencial na vigilância da saúde pública, ainda existem alguns desafios, como a padronização da tecnologia de detecção e o apoio financeiro contínuo. Em 2023, as Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina apelaram a um sistema nacional mais padronizado que pudesse monitorizar de forma mais eficaz uma vasta gama de agentes patogénicos, incluindo futuras variantes do coronavírus e outros agentes patogénicos emergentes.
A aplicação da epidemiologia básica do esgoto está se tornando cada vez mais popular e também faz as pessoas repensarem o impacto do nosso ambiente de vida na saúde. Nesse caso, não podemos deixar de perguntar: quantos segredos de saúde estão escondidos no esgoto dos quais não temos conhecimento?